sexta-feira, 3 de abril de 2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

Desenhos 1935

Durante poucas semanas, em 1935, Jacobus van Wilpe tomou aulas com o grande artista plástico, historiador e paranista Lange de Morretes, em Curitiba. Ko respondia assim aos incentivos de seu cunhado Kurt Boiger, que via no rapaz (então com 30 anos) um artista promissor que deveria abandonar o trabalho pesado em Castro, onde residia, para dedicar-se à carreira de pintor.

Um dia Lange fez a Ko um convite: estava indo para São Paulo, assumir uma cátedra ou um emprego, não sei bem certo, e queria que Ko o acompanhasse na qualidade de seu assistente. Jacobus pensou, pensou, e não foi. Entendeu a situação como um "sinal", um aviso do destino que lhe dizia não ser aquele o seu futuro. Voltou a Castro e retomou a dura rotina na oficina mecânica, mais por medo de não ter como se sustentar na metrópole que por outra coisa.

Se eventualmente se arrependeria de não ter ido, não o sei. Já na velhice, em confidência a seu neto, diria que era o "destino", e que desde cedo se acostumara a relegar a carreira artística a um segundo plano que lhe fosse confortável, na retaguarda da luta pela sobrevivência. Desta história ficaram os desenhos - os únicos que Ko guardaria ao longo de sua vida - e maravilhosas lembranças do carismático professor.

Os que aqui estão correspondem à metade do que foi produzido naquelas semanas. Oportunamente postaremos o restante.












terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Holandeses no Brasil - Nederlanders in Brazilie - Carambei

Nederlanders in Brazilie - Carambei

Link: http://www.wazamar.org/Nederlanders-in-Brazilie/Plaatsnamen/families-in-carambei.htm

Relação das famílias fundadoras da cidade de Carambeí, Paraná, primeira colônia holandesa na região (circa 1911).

Muitos dos nomes povoaram minha infância, e assombram com benevolência minhas tentativas de tornar conhecidas as hsitórias de meu avô Jacobus van Wilpe.

Tags: paraná, carambei, veteranos, vencedor, história, holanda, viagens, vida, genealogia

Gezin Van Wilpe - Kranendonk

Link: http://www.wazamar.org/Nederlanders-in-Brazilie/Familienamen/v-wilpe/gezin-v-wilpe-kranendonk.htm

Link especial para os Kranendonk / van Wilpe.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Jacobus van Wilpe e a espiritualidade

Criado na rigidez extrema do luteranismo evangélico, Jacobus era versado na Bíblia, possuia refinado pensamento crítico e ideias próprias.

Sua primeira alegada lembrança era de um grupo de manchas de sangue no piso da cozinha, que sua mãe (Oma Helena) dizia ser anterior à ocupação do apartamento por sua família.

Aos quatro anos de idade, foi instado por seu irmão mais velho, Hermen (de seis), a "aproveitar a ausência dos pais" para fazer um experimento. Foram até a sala, na noite escura, e ao se acercarem da velha (e pesada) mesa de jantar, levantaram-na até mais alto que suas cabeças, apenas com os indicadores de uma das mãos cada, um de cada lado. Segundo Ko, a mesa "parecia não ter peso", e foi só quando entendeu o que acontecia que ele - no susto - deixou seu lado cair com um estrondo. Hermen nada explicou naquele momento e não deixou que Ko jamais tocasse no assunto.

Aos doze anos de idade, Jacobus pintou um cartão-postal em aquarela para seu tio, hospitalizado por uma apendicite aguda, que o devolveu, impressionado, dizendo que tal obra-prima deveria permanecer com quem a criou. Parecia ter pintado por toda vida, já em seu primeiro trabalho. Já pensou se Jacobus houvesse nascido em uma família kardecista, o que pensaria?

Aos quinze veio ao Brasil, onde só descobriu que não falava português - mas sim um caipirês multilíngue, cheio de erros e regionalismos - quando foi à cidade pela primeira vez sozinho, alguns anos depois. Durante o (pouco) tempo em que morou em Carambehy, conseguiu arranjar encrenca com o pastor - um alemão que residia em Ponta Grossa e eventualmente rezava um culto no Templo, reunindo os fiéis das várias denominações que havia na colônia.

Primeiro aproveitou-se da presença do religioso em um aniversário de criança, de um de seus irmão menores - quando com muita dificuldade dona Helena conseguira juntar os ingredientes para um bolo, convidando o pastor após o culto - para expor seus pensamentos sobre o pecado original:

"Imagine o senhor um pai dito amoroso, que ponha dois bolos na mesa e diga aos filhos, crianças: "Deste vocês podem comer, do outro não". Seria justo este Pai? Por acaso Ele não sabe que seus filhos são crianças?"

Depois reagiu com mal humor ao ser interpelado pelo pastor por trabalhar em uma manhã de domingo: "Mas afinal, o sábado foi feito para o homem ou o homem para o sábado?"

Quando já trabalhava como mecânico em Castro - e pintava cartazes para o cinema e o circo, duas de suas paixões - sonhou com um caixãozinho rosa que, na vida real, no dia seguinte, albergou a filhinha de um colega de trabalho.

Fatos como este ocorreram ao longo de toda sua vida, repetidas vezes e sempre de maneira imperfeita, tornando-o incapaz de prever o que aconteceria e com quem, ou onde, ou quando, mas causando-lhe terrível sofrimento. "Não desejo isto para ninguém, Fent" e "não pode ser bom este tipo de coisa, não devemos procurar desenvolvê-lo", dizia ele, reunindo sem saber boas doses de racionalismo ateu, conservadorismo cristão e puro e confesso medo.

Hermen permaneceu na fazenda em Carambehy, ajudando os pais, enquanto Jacó foi fazer a vida mundo afora. Apenas durante a Guerra aquele manifestou vontade de viajar, uma vontade que daria com os burros n'água com a febre que quase o mataria no porto de Santos, nos anos quarenta, quando estava prestes a embarcar como soldado. Jan iria, Franz serviria aqui mesmo no Brasil, como brasileiro que era: já Jacobus... deve ter sido o primeiro holandês a alegar "impedimento de consciência" para se recusar ir à guerra. "O que pode ter contra um camponês ou operário alemão este holandezinho imigrante, há quase um quarto de século no Brasil, para atravessar o mundo e ir matá-lo na Europa?"

Na rotina diária de Hermen, antes disso, porém, carregar a carroça de leite e seguir até a cooperativa em passo lento era tarefa cumprida duas vezes por dia, pela manhã e à tarde. Quando passava pelo arroio, ali onde se diz que há um tesouro enterrado pelos monges, há sempre um deles - pelo menos um - sentado a seu lado enquanto a estrada corta o capão de mato. Quando ela abre para o campo, Hermen estará sozinho de novo. E - óbvio - ficará irritado se alguém questionar; nunca responderá uma pergunta sequer sobre o assunto.

Quando sua filha Karin nasceu, Jacobus negou-se a batizá-la. "Depois de adulta ela poderia escolher sua religião", dizia ele. Quando ela resolveu casar com um rapaz católico e foi batizada ali na Igreja de São José, em Ponta Grossa (a metros de onde Jacó e Ilse viriam a morar até o fim de sua vida), ele não se opôs. Gostava do edifício (“um verdadeiro templo, imponente, clássico, silencioso”) e o frequentou - esporadicamente - com prazer. Gostava de conversar sobre religião, quanto mais se o interlocutor era culto e aberto ao diĺogo, e nunca se furtou a expressar suas opiniões, conquistando assim o respeito de amigos como o Padre Jack (Padre John Petter O’Connell, fundador do Encontro Matrimonial Mundial no Brasil) e o Padre Giuseppe Bugatti (principal nome na criação e expansãão do Instituto João XXIII, principal orfanato da região).

Há um conceito estabelecido entre os van Wilpe: quando um quadro cai da parede sem explicação aparente, alguém morrerá. Não consegui descobrir se este sortilégio acompanha a família desde a Holanda; o certo é que aqui se iniciou nas mesmas circunstâncias em que Ko pre-viu a morte por afogamento de um parente muito próximo.

Quando Jacobus morreu, três de seus quadros estavam em exposição na galeria do Banco Banestado, no centro da cidade de Ponta Grossa, à época tradicional incentivador das artes plásticas na região. A curadora contaria a Karin e Ilse, quando foram lá buscar os quadros, ainda consternadas com o passamento de Ko, que todos os três quadros, um a um em noites diferentes, caíram da parede sem explicação lógica. Nenhum quadro de qualquer outro artista (e eram bem uns quarenta) caiu durante aquele período. Detalhe: ela não sabia da crendice dos van Wilpe.

Meu avô Jacobus nunca me disse se tinha medo de sonhar com a própria morte. Tinha um medo discreto da própria, isto eu sei, pelo tanto de vezes que manifestou-me seu interesse indisfarçável de saber “se havia algo do lado de lá”. E detestava acordar banhado de suor, apavorado, em sua cama ao lado de Ilse, sempre pela manhã bem cedo, antes das seis, tentando adivinhar quem era, e se era mesmo, e esperar.

“Só um café pode me salvar, Ilse”, dizia ao acordá-la gentilmente, para que ela o fizesse. Você entende: o medo paralisa e congela.

(Já o Pe. José Bugatti dizia que Deus é onipotente, comunica-se conosco do jeito que lhe apraz)

sábado, 24 de janeiro de 2009

Jacobus van Wilpe: biografia, amigos, atividade artística.


Jacobus van Wilpe: biografia, amigos, atividade artística.


Jacobus van Wilpe nasceu em 26 de janeiro de 1905, em Haia, Holanda.

Era o segundo filho do casal Jan Hendrik van Wilpe e Helena Kranendonk van Wilpe, que mantinham um açougue bem movimentado em frente ao quartel da Frederikstraat, em Haia.

Com o advento da Primeira Grande Guerra, o bloqueio alemão à neutra Holanda derrubou a economia local e tornou as coisas muito difíceis para a família, que em 1920 emigrou para o Brasil, em busca de horizontes mais promissores de trabalho para seus (então) seis filhos. Tinham parentes em Castro, no estado do Paraná, que os incentivaram muito, contando maravilhas de uma terra ainda inexplorada, onde estavam estabelecendo uma colônia. Os van Wilpe foram a 7ª família a se estabelecer na Colônia Carambehy (hoje município de Carambeí).

Freqüentando desde criança os museus de Haia, dono de uma vasta cultura geral já aos 15 anos, graças aos estudos ginasiais que fizera na Holanda e a um vivo interesse por quase tudo que dissesse respeito ao ser humano, poliglota (falava alemão com fluência, expressava-se bem em francês e inglês, conhecia rudimentos de latim), com conhecimentos limitados porém sólidos de literatura e poesia (lera toda a Bíblia protestante, conhecia os clássicos); Jacobus já pintava na Holanda.

Seu primeiro trabalho foi uma aquarela em um cartão-postal, enviada para um tio doente no hospital, que a remeteu de volta dizendo ser "boa demais para não ficar no acervo do artista".

No Brasil, devido às dificuldades que a vida trazia aos pioneiros, o trabalho como lavrador e pecuarista na chácara que os van Wilpe compraram ao chegar era o que o esperava. A inexperiência do pai, aliada à tenra idade dos filhos, fez com que Jacobus desde muito cedo fosse obrigado pelas circunstâncias a buscar emprego em outras terras, primeiro em um matadouro de gado, depois em turmas que abriam estradas de rodagem ou consertavam ferrovias, até finalmente estabelecer-se em Castro em 1928, como mecânico de carros.

Na cidade, voltou a pintar, com óleos importados a duras penas por sua mãe Helena, que para incentivá-lo sem ferir seu orgulho, "trocava" as tintas pelos quadros já prontos. Durante a década seguinte, pintaria muitos cartazes para circos itinerantes e para o cinema, em troca de ingresso grátis.

Em 1930 vai à Curitiba, por influência do cunhado Kurt Boiger, artista plástico já estabelecido na capital, para ter aulas com o conhecido pintor e nativista Lange de Morretes. Após quase um mês de aulas, a proposta: Lange iria a São Paulo, tentar a sorte, e gostaria de levar o aluno junto. Jacobus disse não, ficou ainda umas semanas na capital e resolveu voltar a ser mecânico em Castro. São desta época seus primeiros trabalhos com naturezas-mortas, ainda muito influenciadas pelo que vira na Holanda.

A década de trabalho duro rendeu frutos, e a década de 40 o encontra abrindo uma serraria, em sociedade com outro cunhado (Oswin Schwarz), trabalho que o possibilitou comprar, em 1948, a Fazenda Pitangui em Ponta Grossa, maior cidade da região dos Campos Geraes. Nesta época sua pintura toma forma ao deparar-se com a possibilidade de pintar a natureza exuberante in loco, nas horas de folga, muitas vezes dentro dos próprios domínios, por onde passava o Rio Pitangui. Crescem os contatos com os pintores curitibanos do círculo de amizades do cunhado Kurt, como Freyesleben, Nísio e Traple.

Em 1948 casa-se com Ilse Kindler, curitibana filha de alemães que freqüentava a casa da irmã de Jacobus, Helena Boiger, cujo marido passou alguns anos preso na Ilha Grande, durante a guerra, acusado de nazismo pelo governo Vargas. Construiu a casa grande da fazenda para a noiva, sozinho, enquanto corriam os proclamas.

Waldemar Kurt Radovanovic Freyesleben passaria a ser o melhor amigo, indo com Kurt para a fazenda amiúde para pintar e confraternizar. Sua técnica refina-se, fazem apostas entre si para ver quem pintaria melhor o mesmo quadro, e naturezas-mortas e retratos em duplicata ou triplicata, cada um realizado por um dos artistas na mesma ocasião, se sucedem, com a ajuda paciente das modelos (a mãe Helena, as esposas Ilse e Helena, e a pequena Karin Helena que chegara para o casal em 6 de fevereiro de 1950).

Karin é a preferida de Freyes, que escreveria cartas carinhosas para a família até sua morte, em 1969.

Durante os anos 50, 60 e 70, sua coleção de trabalhos se avoluma, mas nada faz Jacobus tomar a decisão de estabelecer uma carreira artística, apesar da verdadeira "guerra" travada pelos companheiros mais próximos. Trabalha muito, cria gado, sente-se responsável por dar um futuro mais digno à filha, é tomado pela modéstia e pela autocrítica exacerbadas, e poucas vezes somente, expõe em coletivas em Ponta Grossa e Curitiba. Dá muitos quadros de presente para parentes e amigos, presentes de casamento quando a situação era difícil.

Nos anos 60, um quadro de Freyes que retrata Jacobus trabalhando na lavoura (jocosamente chamado por ele de "O Batateiro"), é Prêmio de Aquisição do Club Concórdia, em Curitiba, onde está até hoje em exposição no saguão superior. Ainda na mesma década, um quadro de Jacobus intitulado "Acácia Mimosa", uma natureza-morta, ganha Menção Honrosa no Salão Paranaense.

Nos anos 70 e 80, limita-se a expor em coletivas ("quem não quer vender, não pode fazer uma individual. Seria muito egocentrismo, vontade de aparecer"), deixa de pintar em contato com a natureza pois a saúde já não o permite mais, e passa a fazer naturezas-mortas em casa, a fazer cópias de quadros seus que havia dado a parentes, além de estudos de clássicos holandeses para a filha. Sua técnica evolui, desembocando num "micropontilhismo" que beira o neo-impressionismo, detalhista e sóbrio, porém luminoso como os Campos Geraes do Paraná, terra que ele tanto amou. Costumava citar Saint-Hilaire, sábio francês que primeiro andou por ali, que considerava esses campos o lugar mais bonito do mundo.

Escreve suas memórias ("Holandeses no Brasil - Uma Consideração Histórica"), publicadas na Holanda em uma edição pessoal do primo (e amigo de toda a vida) Hermen Kranendonk que as revisou e datilografou pessoalmente como um presente-surpresa que Jacobus nunca chegou a ver. O livro viajava, da Holanda em que ele nunca voltou a pisar, ao Brasil onde a morte o levou em 19 de fevereiro de 1986.