Jacobus van Wilpe: biografia, amigos, atividade artística. |

Era o segundo filho do casal Jan Hendrik van Wilpe e Helena Kranendonk van Wilpe, que mantinham um açougue bem movimentado em frente ao quartel da Frederikstraat, em Haia.
Com o advento da Primeira Grande Guerra, o bloqueio alemão à neutra Holanda derrubou a economia local e tornou as coisas muito difíceis para a família, que em 1920 emigrou para o Brasil, em busca de horizontes mais promissores de trabalho para seus (então) seis filhos. Tinham parentes em Castro, no estado do Paraná, que os incentivaram muito, contando maravilhas de uma terra ainda inexplorada, onde estavam estabelecendo uma colônia. Os van Wilpe foram a 7ª família a se estabelecer na Colônia Carambehy (hoje município de Carambeí).
Freqüentando desde criança os museus de Haia, dono de uma vasta cultura geral já aos 15 anos, graças aos estudos ginasiais que fizera na Holanda e a um vivo interesse por quase tudo que dissesse respeito ao ser humano, poliglota (falava alemão com fluência, expressava-se bem em francês e inglês, conhecia rudimentos de latim), com conhecimentos limitados porém sólidos de literatura e poesia (lera toda a Bíblia protestante, conhecia os clássicos); Jacobus já pintava na Holanda.
Seu primeiro trabalho foi uma aquarela em um cartão-postal, enviada para um tio doente no hospital, que a remeteu de volta dizendo ser "boa demais para não ficar no acervo do artista".
No Brasil, devido às dificuldades que a vida trazia aos pioneiros, o trabalho como lavrador e pecuarista na chácara que os van Wilpe compraram ao chegar era o que o esperava. A inexperiência do pai, aliada à tenra idade dos filhos, fez com que Jacobus desde muito cedo fosse obrigado pelas circunstâncias a buscar emprego em outras terras, primeiro em um matadouro de gado, depois em turmas que abriam estradas de rodagem ou consertavam ferrovias, até finalmente estabelecer-se em Castro em 1928, como mecânico de carros.
Na cidade, voltou a pintar, com óleos importados a duras penas por sua mãe Helena, que para incentivá-lo sem ferir seu orgulho, "trocava" as tintas pelos quadros já prontos. Durante a década seguinte, pintaria muitos cartazes para circos itinerantes e para o cinema, em troca de ingresso grátis.
Em 1930 vai à Curitiba, por influência do cunhado Kurt Boiger, artista plástico já estabelecido na capital, para ter aulas com o conhecido pintor e nativista Lange de Morretes. Após quase um mês de aulas, a proposta: Lange iria a São Paulo, tentar a sorte, e gostaria de levar o aluno junto. Jacobus disse não, ficou ainda umas semanas na capital e resolveu voltar a ser mecânico em Castro. São desta época seus primeiros trabalhos com naturezas-mortas, ainda muito influenciadas pelo que vira na Holanda.
A década de trabalho duro rendeu frutos, e a década de 40 o encontra abrindo uma serraria, em sociedade com outro cunhado (Oswin Schwarz), trabalho que o possibilitou comprar, em 1948, a Fazenda Pitangui em Ponta Grossa, maior cidade da região dos Campos Geraes. Nesta época sua pintura toma forma ao deparar-se com a possibilidade de pintar a natureza exuberante in loco, nas horas de folga, muitas vezes dentro dos próprios domínios, por onde passava o Rio Pitangui. Crescem os contatos com os pintores curitibanos do círculo de amizades do cunhado Kurt, como Freyesleben, Nísio e Traple.
Em 1948 casa-se com Ilse Kindler, curitibana filha de alemães que freqüentava a casa da irmã de Jacobus, Helena Boiger, cujo marido passou alguns anos preso na Ilha Grande, durante a guerra, acusado de nazismo pelo governo Vargas. Construiu a casa grande da fazenda para a noiva, sozinho, enquanto corriam os proclamas.
Waldemar Kurt Radovanovic Freyesleben passaria a ser o melhor amigo, indo com Kurt para a fazenda amiúde para pintar e confraternizar. Sua técnica refina-se, fazem apostas entre si para ver quem pintaria melhor o mesmo quadro, e naturezas-mortas e retratos em duplicata ou triplicata, cada um realizado por um dos artistas na mesma ocasião, se sucedem, com a ajuda paciente das modelos (a mãe Helena, as esposas Ilse e Helena, e a pequena Karin Helena que chegara para o casal em 6 de fevereiro de 1950).
Karin é a preferida de Freyes, que escreveria cartas carinhosas para a família até sua morte, em 1969.
Durante os anos 50, 60 e 70, sua coleção de trabalhos se avoluma, mas nada faz Jacobus tomar a decisão de estabelecer uma carreira artística, apesar da verdadeira "guerra" travada pelos companheiros mais próximos. Trabalha muito, cria gado, sente-se responsável por dar um futuro mais digno à filha, é tomado pela modéstia e pela autocrítica exacerbadas, e poucas vezes somente, expõe em coletivas em Ponta Grossa e Curitiba. Dá muitos quadros de presente para parentes e amigos, presentes de casamento quando a situação era difícil.
Nos anos 60, um quadro de Freyes que retrata Jacobus trabalhando na lavoura (jocosamente chamado por ele de "O Batateiro"), é Prêmio de Aquisição do Club Concórdia, em Curitiba, onde está até hoje em exposição no saguão superior. Ainda na mesma década, um quadro de Jacobus intitulado "Acácia Mimosa", uma natureza-morta, ganha Menção Honrosa no Salão Paranaense.
Nos anos 70 e 80, limita-se a expor em coletivas ("quem não quer vender, não pode fazer uma individual. Seria muito egocentrismo, vontade de aparecer"), deixa de pintar em contato com a natureza pois a saúde já não o permite mais, e passa a fazer naturezas-mortas em casa, a fazer cópias de quadros seus que havia dado a parentes, além de estudos de clássicos holandeses para a filha. Sua técnica evolui, desembocando num "micropontilhismo" que beira o neo-impressionismo, detalhista e sóbrio, porém luminoso como os Campos Geraes do Paraná, terra que ele tanto amou. Costumava citar Saint-Hilaire, sábio francês que primeiro andou por ali, que considerava esses campos o lugar mais bonito do mundo.
Escreve suas memórias ("Holandeses no Brasil - Uma Consideração Histórica"), publicadas na Holanda em uma edição pessoal do primo (e amigo de toda a vida) Hermen Kranendonk que as revisou e datilografou pessoalmente como um presente-surpresa que Jacobus nunca chegou a ver. O livro viajava, da Holanda em que ele nunca voltou a pisar, ao Brasil onde a morte o levou em 19 de fevereiro de 1986.
Nenhum comentário:
Postar um comentário